都江堰: Dujiangyan – I

Ontem voltei para Hangzhou de uma viagem de um fim de semana apenas para a província de Sichuan, a oeste da China, onde vivem mais de 81 milhões de chineses (o equivalente a pouco menos da metade da população brasileira). Próxima à cidade de Chengdu, província de Sichuan, está a cidade de Dujiangyan, nomeada em referência ao sistema de irrigação de mesmo nome que nela fica. O que há de especial nesse sistema de irrigação: concluído no ano aproximado de 250 AC por Li Ping e seu filho engenheiro (quem na realidade concluiu a obra após a morte do pai), o engenhoso sistema é responsável pela irrigação de mais de 5000 km² da planície de Sichuan (quatro vezes o município de São Paulo). O projeto desvia o rio Min, afluente do rio Yangtze, em um sistema de canais distributivos como os de um delta de rio. Ao invés de se utilizar de barragens ou grandes paredes bloqueadoras do fluxo da água, Li Ping distribuiu a água do rio entre aquela que continuaria fluindo seu curso natural e a outra que seria desviada para irrigação, sendo esta construída usando força manual de milhares para cavar os canais.

Foto: tirei a partir da ilha central do rio, que essencialmete divide a água que continua fluindo o curso do Min daquela que é distribuída na rede de canais construída por Li Ping. Hoje Dujiangyan é um patrimônio da UNESCO, e um ponto turístico popular entre ps chineses. Na margem do rio há um templo dedicado a Li Ping e a seu filho Er Wang, diz-se que sem os quais a história da ocupação e civilização da província de Sichuan não seria a mesma.

China hoje

Estava andando com uma amiga na rua e era horário de saída das crianças da escola, de uma que fica aqui perto do campus. Em um certo trecho tivemos que sair da calçada e andar pela rua porque um carro sedan estava literalmente, inteiramente estacionado em cima da calçada, o pai do lado de fora ajudando calmamente o filhos e amiguinhos a colocarem as malas dentro do carro. Fiquei pensando, e juntando essas a outras experiências urbanas parecidas comentei com a minha amiga que eu acho a cidade de Hangzhou espacialmente “ótima”, mas que parece que não é totalmente compatível com a vida e os hábitos da população. Cidades grandes e turísticas como Hangzhou vivem e estão vivendo reformas grandes. Quem vem de São Paulo pra cá se impressiona com a qualidade das calçadas, com as ciclovias e as avenidas arborizadas. Mas será que esses não são os nossos padrões de cidade “ótima”? Eu acredito que as autoridades chineses pretendem, com a “renovação” e “embelezamento”, ou com o “desenvolvimento” (para usar a palavra favorita delas) das cidades, também renovar, embelezar e desenvolver a própria população em seus hábitos, ou seja, neste caso, ocidentaliza-la. Eu acredito que a China ganharia muito olhando mais para si, valorizando seus próprios hábitos e seu próprio povo, sua própria história, e a partir desse olhar mais introvertido perceber e conceber como seriam cidades “ótimas”, à maneira chinesa. Do jeito que está hoje, os chineses acabam sendo o povo que mais desrespeita regras do mundo; claro!, se as regras não foram moldadas para esta população, mas sim baseadas e copiadas de outras nações e povos. Estacionar sobre a calçada, cuspir por toda a rua, passar no sinal vermelho e atravessar a rua no sinal vermelho também; secar as roupas e as verduras num varal na calçada. Os chineses estão constantemente quebrando regras porque o espaço onde estão foi a eles imposto repentinamente. Impõe-se um novo espaço e um novo modo de vida. Essa população flutuando no tempo e no espaço faz com que nós estrangeiros neste país tenhamos uma sensação de caos diário. Será que os próprios chineses também não?

Foto: Calçada, ciclovia/motocavia, ilha de árvores e via de automóveis, numa avenida aqui perto do campus.

UHE Três Gargantas IV

Sendo a maior hidrelétrica e maior barragem do mundo, as Três Gargantas também implicou a maior quantidade de pessoas a serem removidas e restabelecidas, para a construção de uma barragem: 1,2 milhões. Isso porque uma barragem implica o estacionamento da água do rio, para que flua por ela com volume controlado e passando pelas estações de geração de energia. Diz-se qua barragens “matam” os rios, justamente porque imediatamente antes da barragem a paisagem mais parece de um grande lago, onde a água nem mostra sinais de fluir. O nível dessa água a montante (antes da barragem) também sobe, o quanto dependendo das dimensões da barragem. É por isso que a construção de barragens implica remoção de pessoas de suas casas ribeirinhas: elas devem dar lugar para a água do rio que vai subir para sempre, transformada “num grande lago”, ou seja, no reservatório.

A mudança dessas 1,2 milhões de pessoas de suas casas é considerada involuntária. O maior foco dos estudos de migração chineses é dado à migração rural-urbana, e apenas recentemente atenção tem sido dada a essa outra categoria de deslocamento populacional, aquele resultante da construção de barragens. Reassetamento de pessoas originadas de áreas de reservatório já tem longa história na China, geralmente de miséria e dificuldade para aqueles removidos. Realocados afetados pela Barragem das Três Gargantas (1994-2009) do rio Yangtze encaram situação similar. Na China, prioridade tem sido dada à construção da barragem para prover eletricidade, controle de cheias e navegação. Menor atenção tem sido dedicada aos problemas das pessoas afetadas pela inundação da área do reservatório da barragem. A população é forçada a se mudar, e aqueles que são migrantes de área rural para área urbana são geralmente discriminados por políticas nacionais.

Foto: Todos tipos de castanhas e nozes, nas prateleiras do mercado em frente ao prédio da faculdade/onde moro. Sementes de girassol, castanha de caju, nozes, pistache, noz-pecã, ressecadas, naturais, caramelizadas, flavorizadas, salgadas. No final da tarde, fervo água na minha garrafa elétrica de 50 kuai (13 reais), tomo meu chá e como minhas castanhas e nozes, e minhas frutas secas adocicadas, dentre minhas favoritas a lima e a manga.

Seca, Crise, Carros

1920 foi o ano em que os carros pela primeira vez apareceram com alguma expressividade na China. O jornal de Shanghai até tinha um caderno semanal dedicado a eles. Isso principalmente por conta de uma dramática seca que deixou milhões famintos no norte da China, e em regiões alcançáveis apenas via estradas antigas, quando existiam, construídas para veículos movidos a cavalo na melhor das situações. A Cruz Vermelha americana foi então acionada e aconteceu entao a primeira empreitada na construção de rodovias na China, com o intuito de levar comida aos que estavam morrendo, mas também de introduzir o produto à nação. As estradas foram construídas pelos próprios famintos chineses, numa reunião de mão-de-obra maior do que a quantidade de trabalhadores em rodovias dos EUA inteiros, naquela época. O que parecia ser o florescimento da industria automobilistica na China foi postergado mais de 50 anos, por conta da guerra Sino-japonesa logo na década de 30 e das décadas seguintes de governo sob Mao, em que era na pratica impossível para um cidadão chinês comprar ou usar um carro. Com os anos da reforma, já em 80 e vários, o automóvel surgiu novamente, e a industria e o mercado puderam florescer, desta vez com uma outra motivação negativa emergente em 1998: a Crise Financeira Asiática. Como a fome de 1920 ela motivou medidas governamentais de contrapartida. Hoje o carro, um item ainda bebê na lista de objetos de desejo dos chineses, finalmente conquistou a nação das bicicletas, como diz a expressão chinesa que se refere à China como “Reino das bicicletas”: “自行车王国” — (sendo 自行车 a palavra para bicicleta, contendo caracteres que sugerem “veículo que se move por si”, diferente de “trem” 火车 por exemplo, que é o “veiculo de fogo”; e a palavra 王国, que traduzimos como “reino”).

Foto: Xihu, de novo. Com o fim das provas, esta sexta-feira foi dia livre. Já está bem frio, planejei acordar tarde mas percebi que havia um lindo sol no céu, então me permiti um caminhada até o lago. Diferente de todos os outros dias em que estive lá, estava uma paz, não tão cheio de gente como geralmente. Exceto por um grupo escolar em excursão, o que parece bastante barulhento e inconveniente, mas que na verdade me entreteve demais, afinal nada mais gostoso do que interagir com umas crianças chinesas.

Estudar mandarim

O William voltou para o Brasil neste fim de semana, e eu voltei para a escola e para os estudos, mergulhando e tudo, já que esta semana é de provas. Hoje segunda-feira foi a primeira de quatro, de gramática. Amanhã teremos prova de leitura. Estudar a língua está me ajudando um bocado a entender o pensamento chinês, e vez e outra vejo nas palavras coisas que presencio nas ruas, na vida na cidade. Os ideogramas em si já são um tesouro. O mandarim é uma fonte infinita do conhecimento chinês, com tantas camadas e mistérios, tanta história. Tenho orgulho de poder estudar e aprender mais sobre esse poço tão fundo, sobre esse rio tão longo, essa gente tão numerosa.

Espetinhos

Espetinhos de rua aqui do lado da faculdade. Sem refrigeração, carnes, legumes e verduras espetadinhos em palitos de madeira estão disponíveis por 1 kuài cada, ou seja, aproximadamente 25 centavos de real cada, não importa se é de carne ou só uns verdinhos. O lugar é um estacionamento de motos durante o dia e ponto de venda de espetinhos durante a noite e madrugada. A mulher dá um cestinho pra você escolher e colocar dentro os espetos que você quer que ela prepare. Você coloca, dá pra ela, ela conta quantos são e corbra seu dinheiro, você paga e ela já põe eles no fogo. Enquanto estão na grelha, ela passa em todos eles um pincel de pintar parede embebido com molho apimentado, escuro com pontinhos vermelhos. Hoje peguei umas batatas, tofu, nira, massinha de arroz. Não como as carnes por motivos óbvio de higiene e lucidez. Depois de cinco minutos esta tudo bem quente, apimentado, crocante e delicioso. Uma vezinha por semana, uns 4 ou 5 espetinhos não vão matar não. Muito menos engordar. A média de peso dos chineses está lá pelos 60 e poucos quilos, e prender a barriga é que não vai!

Motivos III

Comprei no Carrefour aqui de Hangzhou a edição de outubro da revista National Geographic chinesa. Primeiro me surpreendi com o preço. A princípio imaginava que custaria caríssimo aqui, mas paguei apenas ¥20, ou seja, 5 reaizinhos. Que revista que a gente compraria por R$5 no Brasil? Palavra-cruzada, e olhe lá. Quando abri e folheei, a segunda surpresa: apenas matérias sobre cidades chinesas, e diversas fotos de arquivo do início do século XX. Esta foto era uma delas: Hangzhou, em 1920. Inimaginável o poder de transformação das cidades chinesas, a rapidez e o teor da mudança da paisagem. O que ela tem a dizer sobre seu povo? Como ler o território, de forma a entender os agentes que nele vivem e agem sobre e estão sob as codições de? A relação com a água é das mais antigas que o homem desenvolveu, e a civilização chinesa tem a história do seu território estruturada a partir dessa relação. Vendo as loucas mudanças que este país está empreendendo, e me deparando com fotos como essa, fico cada vez mais animada e estimulada a estudar esse legado chinês. E a vantagem: momentos e materiais como estes me custam apenas uns poucos 5 reais!

Peixes

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Há poucas semanas fomos a um chamado Beer Garden. Era uma sexta-feira à noite e apesar de eu não apreciar a bebida estava bastante satisfeita com o espaço, com o clima do lugar: um gramadão aberto, com várias mesas e bancos estilo piquenique, barraquinhas rodeando, servindo diversas opções de comidas feitas na hora. E céu estrelado, tempo fresco. Até que me virei um pouco pra me espreguiçar e vi a cena que arruinou a noite. Um dos cozinheiros das barraquinhas tinha em uma das mãos um peixe bem grande, vivo e agitado em uma das mãos, recem tirado do tanque. Ele estava em pé na frente da sua barraquinha, segurando o peixe. Ergueu o braço, o peixe todo esbaforido, e arremessou o peixe no chão, tacou com toda a força o peixe no piso de concreto que envolve o gramado. Fez um som muito alto e seco. Ele pegou o peixe do chão, não sei dizer se restava vida nele ou não, descamou e cortou em tiras, e usou de ingrediente pra algum prato que uma mesa de chineses pediu, todos homens, e que deixaram sobrando metade.

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Uma autora chinesa chamada Xinran que hoje mora em Londres uma vez escreveu em seu livro “O que os chineses não comem” sobre como é a relação entre os chineses e os peixes. Os diversos pratos, os lagos de carpas, o símbolo de sorte familiar, os ditos populares que sempre se referem a peixes. Falando sobre o dote das chinesas para ser ótimas mães, Xinran descreveu como um menino chines descobriu a verdade sobre cabeças de peixe. Como acontece com muitos jovens aqui, ele saiu do campo e foi para a cidade quase com seus 20 anos, para trabalhar. Na primeira vez que foi ao mercado, descobriu que as cabeças de peixe vendidas separadamente eram os itens mais baratos que tinham pra comprar. Ele ficou confuso, porque era o prato favorito da sua mãe, que os comia toda vez que tinham peixe em casa, e não deixava ele provar nenhuma vez, restando a carne da barriga e as visceras. Ela comia até os olhos. Ele perguntou pra vendedor e ouviu “Claro que as cabeças são as partes mais baratas, tem um gosto horrível”. Quando chegou o Ano Novo chinês visitou a casa, e teve a oportunidade de perguntar pra sua mãe a respeito das cabeças. Ouviu dela que era óbvio que as cabeças são baratas, porque tem um gosto horrível. “Mas então por que você sempre quer come-las, e diz que é sua parte favorita do peixe?” Ela: “Pra deixar a parte boa pra você e pro seu pai. Agora leve de volta esse monte de cabeças que você comprou pra mim, não quero isso”

Foto: aquários de peixes dourados num restaurante que almoçamos hoje, numa saída em grupo com toda a classe e a professora. Esses são só decorativos.

Destruir para construir

Esta é a única foto do blog que estou postando três dias depois que tirei, e não no mesmo dia, porque simplesmente não podia deixar passar. Esta era a vista da janela do quarto do hotel onde fiquei durante o fim de semana com o William, que veio me visitar. Semana passada, numa aula de gramática, a professora estava nos ensinando estruturas que utilizam os verbos 去 qù, “ir”, e 来 lái “vir”, e como eles se combinam com outro verbos para expressar significados bastante variados. Ela então se lembrou de um dito chinês, utilizado principalmente para consolar alguém quando algo é perdido ou roubado: 旧的不去,新的不来 “Jiu de bu qu, xin de bu lai”, ou seja, numa tradução minha, “Se o velho não vai, o novo não vem”. Não consigo pensar em tão poucas palavras melhores que essas, junto ao lema chinês dos tempos do Mao “Destruir para Construir”, para descrever a China de ontem e de agora, e as mudanças na paisagem deste país deliberadamente caótico. A nossa vista do hotel tinha em primeiro plano essas fundações monumentais do imenso edifício por vir, ao lado desse não menor terreno recheado de escombros dos edifícios recém demolidos. O velho tem que dar lugar para o novo vir, sem condições nem limites e, mais que ninguém, o que o chinês quer o chinês faz. E rápido.


Com o William aqui, não dei muita bola para o blog. Estou voltando a atualizar normalmente agora que ele infelizmente não está mais na cidade. Mas estou mais inspirada agora, e tenho que agradecer a ele por isso, por sua companhia iluminada e pelo senso crítico que acorda e expande meu mundo.

茄子

Nosso prato favorito: 茄子,Qie Zi, “beringela”. É tão simples e barato; não tem restaurante que não sirva. Não é apenas beringela: vem ainda borbulhando sobre um recipiente de pedra onde um ovo e muito óleo estão ainda fritando quando o prato chega à mesa. Junto com as tiras de beringela com casca e molho apimentado também estão misturadas tiras de pimentão vermelho e verde, e em porções menores, cebola. O melhor jeito de comer é junto com uma tigela de arroz fresco, bem quente, molhado e grudento, pra balancear o sabor. Comemos Qie Zi em média de 3 a 4 vezes por semana, em diferentes lugares e ocasiões. É das poucas unanimidades entre os estudantes internacionais das mais variadas origens culinárias.

E aqui vai o meu singelo textinho novamente, para os falantes e leitores de mandarim, revisado pela professora e agora sem erros:

“这次是第三次我来中国。两年以前我第一次来过中国,从巴西到日本我经过北京,在哪儿住了6天。那时我只会说"你好"和"谢谢", 时间一点儿也不长,但是有很多非常有意思的经历,去过很美的地方。回国以后,我开始研究中国的历史,也对中国文化产生兴趣了。在大学我是学建筑的,所以我觉得中国城镇的历史和发展是很有意思的题目。中国不但是地方大,人口多,而且历史悠久,我很喜欢学习汉语。关于中国的地理我最喜欢研究的是水流和河渠,尤其是长江。长江是中国最长的河,从青海省流到上海市。杭州市在长江下游。有一句有名的话说"上有天堂,下有苏杭"。苏州、杭州不但风景美,而且是中国最好的城市,除了天堂没有地方能和它们相比。"